DA NÃO INCLUSÃO DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS
- Gabriel Zaro
- 22 de abr. de 2021
- 8 min de leitura
Atualizado: 23 de jan. de 2023

A Constituição Federal, ao tomar cuidado do financiamento da seguridade social no art. 195 da CF, dispôs, em sua redação original, a possibilidade de a instituição e as contribuições sociais de responsabilidade dos empregadores a incidir sobre “a folha de salários, o faturamento e o lucro”. E com a edição da Emenda Constitucional n. 20/98, começou a admitir a instituição de tais exações sobre ”a receita ou o faturamento”.
As contribuições sociais envolvidas encontram previsão constitucional no art. 195, I, b.
CF/88, Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) (...) b) a receita ou o faturamento (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998).
A legislação infraconstitucional deve se ater aos limites estabelecidos na Constituição Federal, que ao tratar da contribuição devida pelo empregador, empresa ou entidade a ela equiparada, estabeleceu como base de cálculo a receita ou o faturamento.
Com relação ao PIS, veja-se a previsão da sua base de cálculo contida na Lei nº 10.637/2002:
Lei nº 10.637/2002, Art. 1º. A Contribuição para o PIS/PASEP, com a incidência não cumulativa, incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil. (Redação dada pela Lei nº 12.973, de 2014).
Quando a COFINS, sua base de cálculo está disciplina na Lei nº 10.833/2003:
Lei nº 10.833/2003. Art. 1º. A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS, com a incidência não cumulativa, incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil. (Redação dada pela Lei nº 12.973, de 2014).
No exercício da competência legislativa concedida, ainda em sua redação original do art. 195 da CF, foi feita a Lei Complementar n. 70/91, onde o arts. 1º e 2º apontaram a incidência da Contribuição PIS “sobre o faturamento mensal, assim considerada a receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza”, de outro modo, a Lei Complementar nº 7/70, instituiu a COFINS, foi recepcionada pela Constituição justamente por assegurar como base de cálculo o faturamento, conforme seu art. 3º, b.
A Lei Complementar que instituiu as contribuições observou o texto constitucional, prevendo a incidência do PIS/COFINS sobre o faturamento da empresa.
Contudo, sobreveio a Lei n. 9.718/98, almejando a incidência das contribuições ao PIS e à COFINS sobre a “totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica” não importando sua classificação contábil, extrapolando o conceito de faturamento, consoante seu art. 3º.
Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica. § 1º Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas. § 1º Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas.
Baseando na nova redação do art. 195 da Constituição Federal, foram editadas as Lei nºs 10.637/2002 e 10.833/03, que constituíram a sistemática da não-cumulatividade para a contribuição ao PIS e à COFINS utilizando a mesma base de cálculo da Lei nº 9.718/98.
Por fim, foi instaurada a Lei n. 12.973/2014, estabelecendo que “na receita bruta incluem-se os tributos sobre ela incidentes e os valores decorrentes do ajuste a valor presente”, conferida ao § 5º do artigo 12 do Decreto-lei n. 1.598/77.
Apesar de que em um primeiro momento a instituição do PIS/COFINS tenha atendido aos preceitos constitucionais estabelecidos pelo art. 195, inciso I, as alterações posteriores das normas relativas a tais contribuições acabaram por injuriar a previsão da Constituição Federal, acentuando a hipótese de incidência na medida em que incluíram na base de cálculo dos tributos valores que não compõem o faturamento das empresas, tal como ocorre com o ICMS.
Considerando que o PIS e a COFINS são tributos que incidem sobre o faturamento, sua base de cálculo deverá, necessariamente, considerar a medida de tais grandezas, até mesmo como forma de preservação do princípio da capacidade contributiva.
Destarte, para absoluta garantia do contribuinte de que está sendo tributado nos termos da Constituição, exige-se uma conexão lógica entre a base de cálculo e a hipótese de incidência do tributo.
O conceito de faturamento, sobre o qual devem incidir o PIS e a COFINS, é delimitado pelas receitas operacionais da empresa, assim considerados os valores recebidos a título de vendas de mercadorias e prestação de serviços, sem considerar os impostos indiretos.
Ainda assim, a Lei n. 9.718/98, editada antes da EC n. 20/98, pretendeu a incidência das contribuições para o PIS e à COFINS sobre “a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas”. De maneira parecida, a Lei n. 12.973/2014, posteriormente à referida emenda, incluiu expressamente no conceito de receita bruta os tributos indiretos incidentes sobre a própria receita.
A Emenda Constitucional n. 20/98 criou base constitucional para a tributação de valores que, ainda que não sejam provenientes do faturamento, constituam receitas da pessoa jurídica. Todavia, o que se está atacando é a tributação de valores que não são receitas, embora englobados no preço das mercadorias; quais sejam, os valores relativos ao ICMS incidente nas operações de circulação de mercadorias.
A legislação do PIS e da COFINS situa como base de cálculo das exações o faturamento e a receita de titularidade da empresa, e não de qualquer terceiro.
Referidas normas estabeleceram que a grandeza sobre a qual calcula-se a contribuição é o faturamento ou a receita própria da empresa, isto é, aquela auferida como resultado de suas atividades operacionais. Sendo assim, fica evidente que só pode ser considerado faturamento aquilo que pode ser entendido como o ingresso de recursos que passem a pertencer à empresa de forma definitiva, onde possa incorporar a seu patrimônio, ainda que temporalmente.
Quando o valor do ICMS ingressa faticamente no caixa da Impetrante, este já tem destinação definida: os cofres públicos estaduais. Sem originar qualquer acréscimo patrimonial para o contribuinte de direito, que apenas o arrecada, o valor do ICMS que dá entrada meramente contábil na conta caixa em momento algum pertence à empresa, pois a titularidade de tais valores é e sempre foi do Estado Federado competente.
Entender o contrário, ou seja, que tais valores viessem a compor as receitas das empresas, seria admitir a apropriação de impostos por parte das empresas, o que é inadmissível.
Não sendo de titularidade das empresas, nem consistindo em suas receitas, o ICMS não deverá ser usado na base de cálculo da contribuição ao PIS e à COFINS.
Se o ICMS não está compreendido nos conceitos de faturamento e receita, parece claro que a pretensão fiscal acaba por ofender de forma clara a regra de hermenêutica constitucional, conforme arts. 109 e 110 do CTN, segundo a qual a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal para definir ou limitar competências tributárias.
Consolidado entendimento, cumpre não esquecer que a inclusão do valor do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS nada mais é do que uma ilegítima alteração da noção de receita e faturamento.
Não se pode, para abonar a tributação, forçar os conceitos de faturamento e de receita para neles abranger o valor relativo ao ICMS, sob pena de ofensa flagrante ao art. 195, I, e art. 239, da CF/88 c/c art. 110 do CTN.
O valor relativo aos tributos não pertence à empresa, vez que a receita dos entes públicos competentes para a sua arrecadação, a tributação pela contribuição ao PIS e à COFINS de tal materialidade não guarda relação com a capacidade contributiva da empresa, ofendendo, também, o art. 145, § 1º, da Constituição Federal.
Conforme julgamento do RE 574.706, que analisou a inconstitucionalidade da equiparação do termo "faturamento" ao conceito de receita bruta promovida pelo §1° do art. 3° da Lei nº 9.718/1998. Mais que isso, em sede de repercussão geral (reprodução obrigatória em todas as instâncias) o Supremo Tribunal Federal fixou a tese de que o ICMS não compõe o faturamento da empresa.
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. EXCLUSÃO DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E COFINS. DEFINIÇÃO DE FATURAMENTO. APURAÇÃO ESCRITURAL DO ICMS E REGIME DE NÃO CUMULATIVIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Inviável a apuração do ICMS tomando-se cada mercadoria ou serviço e a correspondente cadeia, adota-se o sistema de apuração contábil. O montante de ICMS a recolher é apurado mês a mês, considerando-se o total de créditos decorrentes de aquisições e o total de débitos gerados nas saídas de mercadorias ou serviços: análise contábil ou escritural do ICMS. 2. A análise jurídica do princípio da não cumulatividade aplicado ao ICMS há de atentar ao disposto no art. 155, § 2º, inc. I, da Constituição da República, cumprindo-se o princípio da não cumulatividade a cada operação. 3. O regime da não cumulatividade impõe concluir, conquanto se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, não se incluir todo ele na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal. O ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS. 3. Se o art. 3º, § 2º, inc. I, in fine, da Lei n. 9.718/1998 excluiu da base de cálculo daquelas contribuições sociais o ICMS transferido integralmente para os Estados, deve ser enfatizado que não há como se excluir a transferência parcial decorrente do regime de não cumulatividade em determinado momento da dinâmica das operações. 4. Recurso provido para excluir o ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.
(RE 574706, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 15/03/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-223 DIVULG 29-09-2017 PUBLIC 02-10-2017)
Em seu voto a MMª. Relª. Minª. Cármen Lúcia assim se manifesta:
(...) o regime da não cumulatividade impõe concluir, embora se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, todo ele, não se inclui na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal, pelo que não pode ele compor a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS.
Enfatize-se que o ICMS incide sobre todo o valor da operação, pelo que o regime de compensação importa na circunstância de, em algum momento da cadeia de operações, somente haver saldo a pagar do tributo se a venda for realizada em montante superior ao da aquisição e na medida dessa mais valia, ou seja, é indeterminável até se efetivar a operação, afastando-se, pois, da composição do custo, devendo ser excluído da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.
Contudo, é inegável que o ICMS respeita a todo o processo e o contribuinte não inclui como receita ou faturamento o que ele haverá de repassar à Fazenda Pública.
10. Com esses fundamentos, concluo que o valor correspondente ao ICMS não pode ser validamente incluído na base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.
O ilustre tributarista Roque Antônio Carrazza[1] nos ensina que
[...] ‘Faturamento ‘não é um simples ‘rótulo’. Tampouco, ‘vênia concessa’, é uma ‘caixa vazia’, dentro da qual o legislador, o intérprete ou o aplicador podem colocar o que bem lhes aprouver. Pelo contrário, ‘faturamento’, no contexto do art. 195, I, da CF (que menciona este instituto próprio do Direito Comercial), tem uma acepção técnica precisa, da qual o Direito Tributário não pode afastar-se [...]”.
A inclusão do ICMS na base de cálculo de qualquer outro tributo, ou contribuição, à luz do conceito constitucional insculpido na alínea b, do inciso II, do art. 195 da CF/88, é inconstitucional. Trata-se de inegável bis in idem, pois temos a incidência de contribuição ou imposto sobre imposto. Além disso, a Lei nº 9.718/1998 (e qualquer outra em igual sentido) ao tentar incluir o ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS extrapola o conceito constitucional de faturamento.
Ademais, é de se destacar que em seu voto a Minª. Relª. Cármen Lúcia destacou que o ICMS a ser retirado da base de cálculo é aquele destacado nas notas fiscais de saída, não apenas o efetivamente pago. Veja-se:
(...) embora se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, todo ele, não se inclui na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal, pelo que não pode ele compor a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS”.
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